Produzindo para disponibilidade:

Uma aplicação da Teoria das Restrições em ambientes de produção para estoque

Fernando Bernardi de Souza1 Silvio Roberto Ignácio Pires2

3/8/2025

Introdução

A gestão da produção tem evoluído constantemente para atender às exigências do mercado. Durante séculos, dois modelos clássicos foram utilizados para alinhar a produção à demanda:

  • Make to Order (MTO) – Produção sob encomenda, onde um produto só é fabricado após a venda ser realizada.

  • Make to Stock (MTS) – Produção para estoque, em que produtos padronizados são fabricados antecipadamente, baseando-se em previsões de demanda.

Ambos os modelos apresentam desafios. O MTO pode gerar prazos de entrega longos e dificultar o atendimento imediato da demanda. Já o MTS exige altos níveis de estoque, o que implica custos financeiros elevados e o risco de produtos encalhados.

Para resolver esses problemas, a Teoria das Restrições (TOC) desenvolveu um novo conceito: Make to Availability (MTA), ou "Produção para Disponibilidade". Essa abordagem busca garantir que produtos estejam sempre disponíveis para entrega imediata, mas sem os excessos e riscos do MTS tradicional.

O Que é o MTA?

O Make to Availability (MTA) é um compromisso explícito de manter a disponibilidade de produtos acabados para entrega imediata. Diferente do MTS, onde a produção ocorre baseada apenas em previsões de demanda, no MTA a produção é puxada conforme o consumo real dos clientes.

O conceito de MTA se apoia no método Tambor-Pulmão-Corda Simplificado (TPC-S), uma versão aprimorada do modelo clássico da TOC para planejamento e controle da produção. Ele busca equilibrar o estoque e a reposição de maneira dinâmica, garantindo que os produtos estejam disponíveis sem gerar excessos desnecessários.

Principais Vantagens do MTA:

  • Redução de Estoques: Apenas a quantidade necessária é produzida, reduzindo custos e desperdícios.

  • Atendimento Imediato: Os clientes recebem os produtos sem espera, melhorando a experiência de compra.

  • Previsibilidade Melhorada: O controle dinâmico da demanda torna o planejamento mais eficiente.

  • Menos Rupturas de Estoque: Um sistema inteligente monitora constantemente a necessidade de reposição.

Como Funciona o MTA?

O MTA segue um processo estruturado que garante equilíbrio entre produção e disponibilidade de produtos. Ele se baseia em cinco princípios fundamentais:

1. Estoque e Tempo de Reposição Estão Conectados

Quanto menor o tempo de reposição, menor precisa ser o estoque. O MTA incentiva processos produtivos mais ágeis para minimizar estoques sem comprometer a disponibilidade.

2. Estoque em Processo Também Protege a Disponibilidade

Além dos produtos acabados, a produção em andamento (WIP – Work in Process) também serve como um "pulmão" para garantir que não haja falta de produtos no mercado.

3. O Amanhã Será Semelhante a Hoje

As previsões de curto prazo são mais confiáveis do que as de longo prazo. Assim, a produção no MTA foca em ciclos curtos e ajustáveis conforme o consumo real.

4. O Estoque Disponível Define as Prioridades da Produção

A produção é organizada de acordo com o nível de estoque dos produtos acabados. Quanto menor o estoque de um item, maior a sua prioridade no chão de fábrica.

5. A Estagnação Deve Ser Evitada

Se um produto fica sempre com estoque alto ou sempre em falta, isso indica que os níveis de estoque precisam ser ajustados dinamicamente.

Passo a Passo da Implementação do MTA

1. Definir os Estoques-Alvo

Cada produto deve ter um nível de estoque-alvo, calculado com base na demanda média e no tempo de reposição. Esse estoque é suficiente para atender a demanda sem excessos.

2. Gerar Ordens de Produção Baseadas no Consumo

Sempre que um produto for vendido, uma nova ordem de produção é gerada automaticamente para repor o estoque. Se um item atingir um nível crítico, ele recebe prioridade na produção.

3. Controlar a Produção Usando o "Pulmão"

O conceito de pulmão é essencial no MTA. Ele funciona como um buffer (estoque de segurança) dividido em três níveis:

  • Verde: Estoque acima de 2/3 do nível-alvo – situação estável.

  • Amarelo: Estoque entre 1/3 e 2/3 do nível-alvo – atenção! Pode ser necessário repor.

  • Vermelho: Estoque abaixo de 1/3 do nível-alvo – ação imediata necessária!

Quando um produto atinge a zona vermelha, a produção é acelerada para evitar ruptura de estoque.

4. Ajustar os Níveis de Estoque de Forma Dinâmica

Se um produto passa muito tempo na zona verde, significa que seu estoque-alvo está muito alto e pode ser reduzido. Por outro lado, se ele frequentemente entra na zona vermelha, o estoque-alvo deve ser aumentado.

5. Monitorar a Capacidade Produtiva

O MTA também gerencia a capacidade da fábrica para garantir que a produção possa acompanhar a demanda sem gerar gargalos. Quando a capacidade produtiva atinge 80% do limite, medidas como turnos extras podem ser acionadas.

Impacto do MTA na Gestão da Produção

A abordagem MTA traz mudanças significativas para empresas que trabalham com produção para estoque. Algumas das principais vantagens incluem:

  • Maior eficiência na produção: O trabalho é direcionado para os produtos que realmente precisam ser repostos.

  • Melhor equilíbrio entre demanda e oferta: O estoque não fica sobrecarregado e nem há falta de produtos.

  • Redução de custos: Menos capital parado em estoques excessivos.

  • Melhoria no atendimento ao cliente: Disponibilidade garantida sem atrasos na entrega.

Além disso, o MTA pode ser aplicado em setores como varejo, bens de consumo e indústrias que precisam manter altos níveis de disponibilidade de produtos sem comprometer a saúde financeira da empresa.

Conclusão

A Produção para Disponibilidade (MTA) representa um avanço na gestão da produção, combinando a agilidade do MTO com a previsibilidade do MTS.

Empresas que adotam essa abordagem podem garantir disponibilidade imediata de produtos sem os problemas de excesso de estoque ou de atrasos na entrega.

Se sua empresa trabalha com produção para estoque e enfrenta dificuldades em equilibrar disponibilidade e custos, a adoção do MTA pode ser uma solução estratégica para melhorar a eficiência e a competitividade no mercado.

Referência: Baseado no artigo "Produzindo para disponibilidade: uma aplicação da Teoria das Restrições em ambientes de produção para estoque", de Fernando Bernardi de Souza e Silvio Roberto Ignácio Pires, publicado na revista Gestão & Produção, volume 21, número 1, 2014. Disponível em: SciELO.